terça-feira, 2 de julho de 2013

Todo mundo sabe que isso não vai dar em nada - II





Todo mundo sabe que isso não vai dar em nada
II
Um pouco além da estrada












Sabe aquilo que dizem sobre a sua vida passar como um filme dentro da sua cabeça nos segundos antes de você morrer? Então, é mentira. Eu podia sentir o cano frio e metálico daquela 9mm encostado na minha cabeça - estava com as mãos amarradas nas costas, ajoelhado numa poça de lama, chorando como um bebê que foi retirado do colo da mamãe - e tudo que eu conseguia pensar era que provavelmente ninguém ligaria se eu morresse. Isso mesmo. No final das contas, tudo que me restou foi um pouco de carência e egoísmo; nada de relembrar os bons momentos, as pessoas que eu amei e essas coisas bonitas que aparecem nos filmes. Eu não tinha filhos, não via meu pai há quinze anos e minha mãe estava em um estágio avançado de Alzheimer, talvez não lembrasse nem do meu nome. Não tinha uma namorada sequer. Provavelmente postariam coisas maneiras no meu mural do facebook, deixariam de sair por um final-de-semana e um mês depois seria como: Caio? Que Caio? Quem é Caio mesmo?

- Então; últimas palavras? – o carrasco empurrou a minha cabeça para a frente com o cano do revolver e deu um chute nas minhas costas. Depois, gargalhou como um débil mental e disse:

- “Últimas palavras”, eu sempre quis dizer isso! Não vai falar nada não, bacana?

Eu estava caído de cara numa poça com a bunda virada pra cima, na posição em que Napoleão perdeu a guerra. Queria dizer que depois que morresse voltaria pra arrancar o seu pau enquanto ele estivesse dormindo, mas tudo que consegui foi soluçar e engolir um pouco de lama. Pude ouvir o som seco da arma sendo destravada e pensei na imagem da minha mãe sentada numa cadeira de hospital. Depois, tudo que me restava era apenas esperar o momento em que tudo acabaria e talvez eu encontrasse um velho barbudo no final de um túnel, ou de uma escadaria, ou algo assim.