Todo mundo sabe que isso não vai dar em nada
II
Um pouco além da estrada
Sabe aquilo que dizem
sobre a sua vida passar como um filme dentro da sua cabeça nos segundos antes
de você morrer? Então, é mentira. Eu podia sentir o cano frio e metálico daquela
9mm encostado na minha cabeça - estava com as mãos amarradas nas costas, ajoelhado numa poça de lama, chorando como um
bebê que foi retirado do colo da mamãe - e tudo que eu conseguia pensar era que
provavelmente ninguém ligaria se eu morresse. Isso mesmo. No final das contas,
tudo que me restou foi um pouco de carência e egoísmo; nada de
relembrar os bons momentos, as pessoas que eu amei e essas coisas bonitas que
aparecem nos filmes. Eu não tinha filhos, não via meu pai há quinze anos e
minha mãe estava em um estágio avançado de Alzheimer, talvez não lembrasse nem
do meu nome. Não tinha uma namorada sequer. Provavelmente postariam coisas
maneiras no meu mural do facebook, deixariam de sair por um final-de-semana e
um mês depois seria como: Caio? Que Caio? Quem é Caio mesmo?
- Então; últimas palavras? – o carrasco empurrou a minha
cabeça para a frente com o cano do revolver e deu um chute nas minhas costas.
Depois, gargalhou como um débil mental e disse:
- “Últimas palavras”, eu sempre quis dizer isso! Não vai
falar nada não, bacana?
Eu estava caído de cara numa poça com a bunda virada pra cima, na posição em que Napoleão perdeu a guerra.
Queria dizer que depois que morresse voltaria pra arrancar o seu pau enquanto
ele estivesse dormindo, mas tudo que consegui foi soluçar e engolir um pouco de
lama. Pude ouvir o som seco da arma sendo destravada e pensei na imagem da
minha mãe sentada numa cadeira de hospital. Depois, tudo que me restava era apenas
esperar o momento em que tudo acabaria e talvez eu encontrasse um velho barbudo
no final de um túnel, ou de uma escadaria, ou algo assim.
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