quarta-feira, 13 de março de 2013

L e B




A chuva caía fina lá fora e as embriagadas vozes se misturavam naquele harmônico caos. Entre goles e tragadas, discussões e papos manjados, numa mesa ao canto do bar duas pessoas tentavam se conhecer melhor. Para manter a discrição e o anonimato de ambos, vou chama-los apenas de L e B.

- Então, o que você faz para viver? – perguntou L, depois de dar um considerável gole de sua cerveja e bater com força o copo na mesa.

- Sou cínica – respondeu B, mordendo o lábio. Ele riu.

- Como assim você é cínica?

- Você não acha que é preciso um pouco de cinismo pra viver nesse mundo?

L riu novamente e pediu mais uma cerveja para o garçom.

- Olha, não foi isso que eu quis dizer. Tava me referindo ao seu trabalho.

B sorriu e o fitou por alguns segundos antes de responder.

- Sou cínica. – então pegou sua bolsa na cadeira ao lado, abriu, retirou um pequeno espelho e começou a retocar o forte batom vermelho. L encheu os copos novamente.

- Ok, você é do tipo misteriosa então.

- Não, sou cínica.

L começou a perder a paciência.

- Tá bom garota, qual é o seu jogo? – perguntou, em tom de deboche.

- Sou advogada.

Ele riu e terminou outro copo de cerveja.

- E não gosto que me chamem de garota – completou B.

L e B ficaram em silencio por algum tempo. A chuva havia parado e alguém quebrara uma garrafa sem querer. O garçom dizia algo para o rapaz que a quebrou enquanto três mulheres falavam mal de seus ex-namorados na mesa ao lado. L observava tudo. B o observava observar.

- Seus cílios são bonitos – disse ela.

- Meus cílios? – ele riu, novamente debochado – Você não vai perguntar o que eu faço?
Ela conferiu alguma coisa no celular antes de responder, seco:

- Não.

L se levantou.

- Ok, ok, você é que sabe my lady. Vou no banheiro, já volto.

Ao passar pela mesa ao lado da bancada, L sem querer tropeçou no pé de um careca, que levantou bruscamente e o empurrou. L já estava com o punho cerrado quando foi segurado pelo garçom. Ao mesmo tempo, um cara vestindo uma daquelas camisas pretas de Jiu Jitsu segurava o careca, que resmungou algo antes de chutar uma cadeira, xingar todo mundo e sair do bar. O garçom largou L, que ficou encarando e sendo encarado por todas as pessoas dali antes de finalmente entrar no banheiro.

B fumava um cigarro e sorria por dentro.

Naqueles dez segundos em que só se ouvia a urina batendo na parede do mictório, L refletia em como aquilo foi inesperado.

Ao voltar para a mesa, B apagava o cigarro e pedia a conta.

- Você já está pedindo a conta?

- Sim.

L apoiou o cotovelo na mesa e esticou o pescoço para encará-la.

- Olha só, essa noite já está estranha demais. Por que você veio até aqui afinal? Por que não quer saber nada sobre mim?

- Porque você é desinteressante, prefiro pular essa parte.

- Parte, que parte, do que você tá falando? Você nem me conhece. Não quer saber nem o que eu faço?

- Você é idiota? Eu estou falando que não precisamos nem conversar. Eu vou pra cama com você.

L sorriu e relaxou na cadeira. B abriu a bolsa para pagar a sua parte da conta.

L e B nunca chegaram a saber nada um do outro além do nome falso do site de relacionamentos. Foram para a cama aquela noite e combinaram de se encontrar na próxima quinta-feira, desde então não pararam de se ver nunca por mais de uma semana. L e B eram casados e tinham filhos. Depois de três anos, B se separou. L nunca se separou, mas sua mulher o deixou quinze anos depois. O tempo não importava, eles nunca sabiam de nada mesmo.

E vinte e três anos depois daquela noite chuvosa no bar, L amanheceu morto ao lado de B numa cama de motel.

Sem sequer saber seu nome.

B deu um beijo em sua testa e acendeu um cigarro.

B chorava por dentro.

Nenhum comentário:

Postar um comentário