A chuva caía fina lá fora e as embriagadas vozes se
misturavam naquele harmônico caos. Entre goles e tragadas, discussões e papos
manjados, numa mesa ao canto do bar duas pessoas tentavam se conhecer melhor.
Para manter a discrição e o anonimato de ambos, vou chama-los apenas de L e B.
- Então, o que você faz para viver? – perguntou L, depois de
dar um considerável gole de sua cerveja e bater com força o copo na mesa.
- Sou cínica – respondeu B, mordendo o lábio. Ele riu.
- Como assim você é cínica?
- Você não acha que é preciso um pouco de cinismo pra viver
nesse mundo?
L riu novamente e pediu mais uma cerveja para o garçom.
- Olha, não foi isso que eu quis dizer. Tava me referindo ao
seu trabalho.
B sorriu e o fitou por alguns segundos antes de responder.
- Sou cínica. – então pegou sua bolsa na cadeira ao lado,
abriu, retirou um pequeno espelho e começou a retocar o forte batom vermelho. L
encheu os copos novamente.
- Ok, você é do tipo misteriosa então.
- Não, sou cínica.
L começou a perder a paciência.
- Tá bom garota, qual é o seu jogo? – perguntou, em tom de
deboche.
- Sou advogada.
Ele riu e terminou outro copo de cerveja.
- E não gosto que me chamem de garota – completou B.
L e B ficaram em silencio por algum tempo. A chuva havia
parado e alguém quebrara uma garrafa sem querer. O garçom dizia algo para o
rapaz que a quebrou enquanto três mulheres falavam mal de seus ex-namorados na
mesa ao lado. L observava tudo. B o observava observar.
- Seus cílios são bonitos – disse ela.
- Meus cílios? – ele riu, novamente debochado – Você não vai
perguntar o que eu faço?
Ela conferiu alguma coisa no celular antes de responder,
seco:
- Não.
L se levantou.
- Ok, ok, você é que sabe my lady. Vou no banheiro, já
volto.
Ao passar pela mesa ao lado da bancada, L sem querer
tropeçou no pé de um careca, que levantou bruscamente e o empurrou. L já estava
com o punho cerrado quando foi segurado pelo garçom. Ao mesmo tempo, um cara
vestindo uma daquelas camisas pretas de Jiu Jitsu segurava o careca, que
resmungou algo antes de chutar uma cadeira, xingar todo mundo e sair do bar. O
garçom largou L, que ficou encarando e sendo encarado por todas as pessoas dali
antes de finalmente entrar no banheiro.
B fumava um cigarro e sorria por dentro.
Naqueles dez segundos em que só se ouvia a urina batendo na
parede do mictório, L refletia em como aquilo foi inesperado.
Ao voltar para a mesa, B apagava o cigarro e pedia a conta.
- Você já está pedindo a conta?
- Sim.
L apoiou o cotovelo na mesa e esticou o pescoço para
encará-la.
- Olha só, essa noite já está estranha demais. Por que você
veio até aqui afinal? Por que não quer saber nada sobre mim?
- Porque você é desinteressante, prefiro pular essa parte.
- Parte, que parte, do que você tá falando? Você nem me
conhece. Não quer saber nem o que eu faço?
- Você é idiota? Eu estou falando que não precisamos nem
conversar. Eu vou pra cama com você.
L sorriu e relaxou na cadeira. B abriu a bolsa para pagar
a sua parte da conta.
L e B nunca chegaram a saber nada um do outro além do nome
falso do site de relacionamentos. Foram para a cama aquela noite e combinaram
de se encontrar na próxima quinta-feira, desde então não pararam de se ver
nunca por mais de uma semana. L e B eram casados e tinham filhos. Depois de
três anos, B se separou. L nunca se separou, mas sua mulher o deixou quinze
anos depois. O tempo não importava, eles nunca sabiam de nada mesmo.
E vinte e três anos depois daquela noite chuvosa no bar, L
amanheceu morto ao lado de B numa cama de motel.
Sem sequer saber seu nome.
B deu um beijo em sua testa e acendeu um cigarro.
B chorava por dentro.
Nenhum comentário:
Postar um comentário