domingo, 30 de junho de 2013

Todo mundo sabe que isso não vai dar em nada - I





Todo mundo sabe que isso não vai dar em nada
Porque tem que começar em algum lugar












Eu queria conseguir contar a minha vida toda num poema. Mas como não tenho essa capacidade, vou ter que começar de algum ponto da minha profunda e medíocre existência mesmo.

Era madrugada e o Marquinhos tava me esperando numa esquina mal iluminada por um poste torto. Cheguei com o meu Gol branco de 2000 todo fodido – eu tinha acabado de voltar de uma viagem no Pantanal que fodeu ele todo, enfim... Marquinhos era um cara engraçado. Imagina um judeu branquelo e ruivo, meio alto, forte, com uma tatuagem da Estrela de Davi num braço e o escudo do Fluminense no outro. Pois é, o Marquinhos era esse cara. Ele tava de bermuda, chinelo e com um mochilão preto nas costas quando eu encostei o carro.

- Tudo em cima?

- Tudo em cima, brother. Abre a o porta-malas aí.

Abri e ele jogou a mochila lá dentro. Em menos de uma hora estávamos ouvindo Rolling Stones numa estrada de barro, balançando pra cacete dentro do meu Gol velho.

- Vai mais devagar, cara! É por isso que o seu carro fica assim.

Encarei ele e pisei mais fundo no acelerador.

- Sério isso, cara? Porra, seu maluco, vai mais devagar!

- Marquinhos, para de reclamar e aperta um beck, por favor.

Ele foi na hora pro banco de trás, se ajoelhou pra conseguir mexer na mochila da mala, e depois de um tempo, sem que eu sequer percebesse, estava do meu lado com um camarão em uma mão e uma seda na outra.

- Caralho, Marquinhos, como você é viciado hein cara – dei uma risada e cuspi pela janela.

- Porra, brother, mas só tem um problema. Eu não vou conseguir apertar com essa porra balançando assim.

- Essa porra não, cara. Falando assim parece que tu tá falando do seu pau mole. Meu carro tem história, respeita.

Ele riu – Que história, cara? Não começa, Caio, não começa.

É verdade, eu ainda não falei nada sobre mim. Meu nome é Caio, Caio Solimões, tenho vinte e três anos e sou jornalista. Ou melhor, sou mais um desses babacas que acabou de se formar em Jornalismo e se acha praticamente o Cidadão Kane em pessoa só porque escreveu uma matéria que saiu num jornal de porte médio. Sei lá, eu acho difícil falar sobre mim mesmo. Como se definir? Ou você peca no excesso de humildade ou no excesso de pretensão; sempre tive dificuldade em encontrar um meio-termo. Então não sei se vou saber passar pra vocês exatamente o tipo de pessoa que sou, me falta imparcialidade. Veja bem, eu tenho um cabelo e uma barba maneiros, sou Sagitário, fumo Carlton e gosto de pistache. Quer dizer, eu gosto muito, muito de pistache. E não gosto mal quando falam mal do meu carro. Não gosto mesmo.

- Marquinhos, esse carro tem mais história que a sua vida inteira e você sabe disso. Eu já comi uma surfista da Califórnia ali no banco de trás – disse, enquanto saíamos da estrada de barro e entrávamos na rodovia.

- Que a minha vida? – ele enrolava o baseado – Que surfista da Califórnia, cara? Você quer realmente que eu acredite nessa história?

- A Melissa. Ela tinha o mamilo mais bonito do mundo, eu vou te mostrar o facebook.

- Você acha que eu caio nessa de facebook?

- Ô Marquinhos, você quer realmente discutir comigo sobre mulher? Você namora a mesma garota há quase quatro anos.

- Fazer o que? Ela é linda, cara, a Bruna é linda e você sabe disso.

- Quatro anos, cara, quatro anos. Você vai ver a sua segunda Copa do Mundo com ela, daqui a pouco vai até mudar o presidente, você tem noção do que é isso?

- Ela é linda, cara, ela é linda.

- Não mais que a Melissa.

Não fazia sentido discutir com ele sobre isso. Nunca chegaríamos num consenso, e na verdade eu sentia até certa inveja dele por ter conseguido se convencer de uma forma tão pura e ingênua de que uma garota vale mais que a sua liberdade enquanto cidadão masculino de poder foder uma universitária diferente a cada final de semana. O amor sem dúvida esconde algo de mágico ou ridículo, divino ou cínico. Nunca soube distinguir qual, talvez por isso nunca tenha conseguido começar nada sério com nenhuma garota nós últimos dez anos.

- Cara, e se a gente passar por alguma blitz?

Nós estávamos carregando cinco quilos de maconha no porta-malas em uma rodovia interestadual, sem dúvida já havíamos debatido exaustivamente sobre a possibilidade de blitz, não entendi porque o Marquinhos veio com essa paranoia de novo.

- Engole o baseado, fica calmo e não dá bandeira. Aquela parede falsa no porta-malas é muito convincente, se ele não perceber nada suspeito não vai acontecer nada. Só depende da gente. Fica calmo e esquece isso, ficar pensando só piora.

- Eu não vou acender.

- Tá bom, então não acende. É melhor mesmo, eu só falei aquilo pra você calar a boca, não achei que levaria a sério. Então guarda de volta lá atrás ou joga pela janela, alguém vai achar e ficar feliz.

- É, isso. Boa.

- O que seria de você sem mim, hein? Me dá um cigarro.

Ainda tocava Rolling Stones quando cruzamos a placa de “Bem-vindo” na nossa segunda parada: São José. E sinceramente, eu não estava nem um pouco confiante em relação a São José. Nunca tínhamos feito nada parecido com o que tínhamos que fazer por lá.

quarta-feira, 19 de junho de 2013

À Queima Roupa




Um tiro cego e um suspiro no meio da multidão; quem é que vai ouvir? Ninguém ouve, só corre. Seus lenços vermelhos encharcados de esperança e vinagre, uma loucura de cada um cantada por todos, uníssona. Trezentos, cem mil, um milhão, não importa. Às vezes basta um grito e ele ecoará por toda a História, às vezes uma onda pode soterrar uma civilização, às vezes basta um olhar e aquela paixão à queima roupa te atinge no fundo do peito. E nessas horas amigo, não tem pra onde correr, não tem vinagre, não tem nada. Começou há mais ou menos dois anos, ali na Cinelândia mesmo, em frente ao Oden, e quem podia imaginar? Naquela época era só mais um maconheiro vestindo camisa do Che, hoje em dia é o Brasil acordando e eu e você dormindo. Mas tá tranquilo, antes tarde do que muito tarde. Porque a vida é imprevisível mesmo, e às vezes a arte é apenas não deixar o momento escapar.


Amanhã, Candelária, 17h.

terça-feira, 18 de junho de 2013

Sobre o assunto daquele único papo que você vai ter com o cara que vende açaí depois que aquela menina sair da lanchonete (ou não)

- Abaixa.

- O que?

- Abaixa cara, sai da frente.

- Sai da frente do que, porra?

- Dá licença caralho, abaixa, sai daí cara.

- Tá bom.

Eu só queria ver uma bunda mesmo, e o pior é que quase perdi ela. Mas ainda pude ver seu adeus vagaroso naquela calçada de Ipanema. Era uma bunda feliz, expressiva, ela quase falava. Imaginava que talvez aquela bunda falasse coisas muito mais interessantes do que sua dona. Será que eu ainda veria aquela bunda de novo? Quem sabe? Mas difícil, Ipanema é o lugar das bundas raras. Uma vez eu vi uma bunda maravilhosa, daquelas que se esconde embaixo de um shortinho florido tão curto que deixa a dobra entre a bunda e a coxa à mostra. E que coxa, que bunda, com covinha em cima e tudo. Aquela era definitivamente uma bunda dez, o conjunto era sensacional. Eu falava no celular há uns dez metros quando ela dobrou a Maria Quitéria; era guiado por aquele instinto que só os verdadeiros apreciadores de bundas entendem. Enfim, virei a esquina e a bunda tinha simplesmente sumido. E não foi a primeira vez. Não sei o que Ipanema faz com as bundas, realmente não sei, se fosse em Laranjeiras com certeza eu a veria de novo, mas só porque era Ipanema essas coisas resolvem acontecer.

Era só isso que eu queria falar mesmo, essa história tinha um propósito mas passou outra bunda por aqui, melhor deixar pra lá...

quarta-feira, 12 de junho de 2013

Uma e trinta e dois




Um silêncio marginal quebrado pelo som de uma profunda tragada, como o voo rasante de um pássaro no oceano, pra longe daqui, pra Búzios talvez - onde é sempre verão - mas sobre isso eu já escrevi. E como sempre a brasa, o filtro, o fim. E outros dezenove. Dezenove cigarros, dezenove anos. Mais um é vinte e vinte é um maço. Ontem eu andei sozinho pela Mém de Sá, um viado deu em cima de mim. Morar na Lapa é assim (eu não quis rimar).

Não tenho muito sobre o que escrever, às vezes eu acho que é tudo enrolação, tô aqui me enrolando, enrolando você, sabe, não parece muito justo. Mas de algum jeito estranho me enrolar com palavras me desenrola um pouco os pensamentos, que às vezes parecem um fio de fone de ouvido que ficou na mochila por mais de uma semana, ou talvez até um mês. Uma hora você vai ter que lidar com isso, né.


Algum dia eu arranjo alguma coisa realmente interessante pra dizer. Até lá a minha única certeza é que o Vasco ainda é uma merda.

quinta-feira, 6 de junho de 2013

Uma certa dose de loucura (na mochila)





Tantos ventos que assopram pra lá e já nem dizem mais aonde ir. Leste, norte, sudoeste não importa. Talvez um pouco para a direita, afinal não há mais bússola, não há gps, não há mapa, talvez sequer haja caminho. Um pouco de cinismo, cara-de-pau e sem dúvida uma certa dose de loucura na mochila, junto com uma garrafinha d’água porque há de fazer sol, quem sabe. E voltar antes do amanhecer, porque se não fica clichê demais. Você não vai entender.

domingo, 2 de junho de 2013

Alice Through the Black-Dress - Capítulo 1



Talvez não seja mais assim tão fácil falar sobre o que aconteceu. Como o prazer de ouvir aquele barulho de uma latinha de coca-cola abrindo numa manhã de terça-feira, dar um gole e perceber que acabou de jogar três reais fora. Alguém quer o resto dessa coca? Porque eu não. A eterna busca pelo prazer que nunca chega de verdade, e só vamos perceber o quão inútil somos quando já é tarde demais; ou não... ou simplesmente assumimos desde cedo nossa condição fugaz e patética, temos o cinismo necessário pra tomar um porre no meio de uma guerra e acender um cigarro do maço do bolso de um cadáver qualquer.

Foi isso que eu disse praquela menina. Mas não funcionou, eu acho. Ela era burra demais.

Então encostei num carro, um pouco cansado demais pra pensar em fazer qualquer outra coisa além de eu mesmo acender um cigarro e esperar que a noite traga um acaso mais interessante do que meninas de all star vermelho e caras tocando Nirvana num violão arrebentado. Eu odeio hipsters, odeio essa juventude que acha que representa algo além de adolescentes mimados que se acham especiais porque tem DDA e experimentaram pó aos quinze. Mas no final das contas eu tinha que entrar na brincadeira. Fui até o banheiro do bar e tirei um ziplock da carteira; espalhei a carreira na pia seca e enrolei uma nota de cinco - que aliás era tudo que eu tinha.


Foi aí que as coisas começaram a ficar estranhas. Um coelho branco engomado de gravata-borboleta saiu da privada todo molhado, segurando um relógio de bolso. Antes que eu pudesse perguntar que porra era aquela, ele me perguntou se podia cheirar também.

- Tranquilo, cara. - respondi, com a maior naturalidade.

- Obrigado. Eu vou ser rápido, tô atrasado.

- Atrasado pra quê?

- Na verdade eu tinha que ter ido pro banheiro feminino, mas errei o toilete e vi que você tava aqui.

- Fazer o que lá? Deixam coelhos entrar no banheiro feminino?

- Eles quem? Ninguém me vê entrando pela privada. Tem uma menina que eu preciso encontrar lá. Mas acho que ela vai demorar, ela tá com dor de barriga. Nem é bom entrar lá essa hora, rs.

Eu pensei em rir mas não ri - Uma menina ou uma coelha?

- Uma menina mesmo, mas é minha amiga, eu não vou pegar ela.

- Coelhos pegam meninas?

- Não, cara, por isso que eu não vou pegar ela.

- Ela é bonita? Qual o nome dela? - perguntei, depois do primeiro teco.

- Alice. Ela é bonita sim, mas acho que você não consegue. - respondeu o coelho, com o focinho todo branco.

Aí sim eu ri - Por que você acha isso? Você é um coelho que sai da privada, quem você deve conseguir pegar?

- Eu como coelhas, ué. E eu meto mais rápido do que você jamais vai conseguir meter, pode ter certeza.

Aí sim eu ri, pra caralho. O coelho até que era sagaz.

- Ok então. Mas e essa Alice aí? Você vai me apresentar ou o que?

- Você quer conhecer a Alice?

- Quero, porra. E depois de olhar esse seu focinho sujo no espelho você vai perceber que tá me devendo uma.

O coelho não tinha argumentos contra aquilo, ele realmente estava me devendo uma - Você venceu. Me segue. - disse ele.

- Como assim? Me segue pra onde?

Antes que eu pudesse perceber, o coelho havia pulado de volta na privada. Hesitei por um momento. "Mas já tô conversando com um coelho falante cheirador, o que eu tenho a perder?" Em poucos segundos, estava sendo sugado pela descarga mais estranha que eu já vi na minha vida.