quarta-feira, 23 de outubro de 2013

570




Aquilo não era nada além de uma janela de ônibus para a maioria das pessoas que sentavam ali; não pra ele. Sentou-se à direita, no banco da janela, um pouco à frente. O ônibus não estava muito cheio, então podia escolher. Não se tratava de uma escolha propriamente racional, mas intuitiva. Às vezes sentava no fundo, às vezes na frente, às vezes à direita, às vezes à esquerda. Não sabia explicar muito bem porque, tampouco precisava. Abriu a janela (ambas; a de cima também) e pôs-se a olhar bundas.


Ela sentava sempre à frente - pois tinha enjoos quando sentava atrás - e sempre à esquerda, do lado do motorista - pois achava que, caso o ônibus batesse, o motorista tentaria ao máximo se salvar e bateria mais com o lado do trocador. Fazia sentido. Por fim, sentava sempre no banco de fora, o que não era da janela, pra não bagunçar seu cabelo. Pra ela, não era uma janela: era um problema.


Ele olhou de relance quando ela entrou, depois voltou a olhar bundas. Cuspiu pela janela e ajustou o volume do iPod – que tocava Foo Fighters – no máximo. Ao contrário do que suas ações davam a entender, não era um garoto machista, seguro de si ou qualquer outro termo que adjetivaria sujeitos como Clint Eastwood. Pelo contrário. Camuflava um sentimentalismo pueril por baixo de sua postura antiquada e até um pouco rude. Não que fosse sexualmente reprimido ou algo assim, apenas talvez tivesse simplesmente vergonha de lidar com suas emoções de forma franca - embora no fundo enxergasse a sua vida quase que como uma comédia romântica. Mas claro, ela não sabia disso. Nem ela nem nenhuma das bundas que passavam como paisagem pela janela do ônibus. Talvez nem mesmo ele soubesse.


Ela mexia no iPhone enquanto arrumava o cabelo, esforçando-se para olhar pelo reflexo da janela fechada. Tomava cuidado para não estabelecer contato visual com ninguém, principalmente do sexo masculino. A última coisa que queria ouvir antes de chegar em casa era um “gostosa” ou algo do gênero.


O machismo não só reprimia o lado romântico de um garoto introvertido, mas um dos sorrisos mais belos que já sentaram naquele banco de ônibus. Se ele tivesse a oportunidade de vê-lo pelo menos uma vez, certamente não estaria tão concentrado nas bundas transeuntes da janela. Para ele, não era uma janela: era uma ode à mulher.


Bundas, bundas e mais bundas. De todos os tamanhos, formas e modelos. Grandes ou pequenas, felizes ou tristes, acompanhadas de pernas malhadas, pernas morenas ou brancas; até com um pouco de celulite. Quando a menina bonita se levantou, virou o rosto para contemplar a nova bunda que se erguia.


Começava a imaginar alguns detalhes que aquela calça jeans apertada escondia. A menina percebeu e se manteve fiel à sua ideologia de não estabelecer contato visual - ainda mais em uma situação dessas. Puxou o cordão para que o ônibus parasse, mas nesse momento ele freou bruscamente e ela caiu bem do lado do garoto que tentava olhar sua bunda.


Essa é uma daquelas coisas mágicas do destino que você não pode deixar escapar, pensou ele. Já ela tentou manter algum tipo de elegância e fingir que nada havia acontecido, mas uma pancada forte irrompeu o pensamento dos dois. Uma batida grave. No lado do motorista.


Um caos imediato se instalou sob aquela atmosfera contemplativa do ônibus. O trocador retirou o fone de ouvido e, visivelmente transtornado, gritou para que todos ficassem calmos. Um sujeito de aparência normal xingava enquanto uma senhora no banco de trás pedia ajuda porque tinha algum tipo de doença que nem ela mesmo conseguia explicar. A lataria da frente do veículo estava toda amassada e o vidro havia estilhaçado em cima do motorista, que estava ensanguentado e aparentemente inconsciente. Mas ninguém pensava no motorista; naquele momento não se entendia nada e todos queriam apenas sair vivos do ônibus.


- Você tá bem?!


- Acho que tô… - respondeu a menina, pálida e contendo um choro.


- Vamos sair daqui, tá tudo bem. - ela não soube o que dizer então seguiu ele pela porta de trás, aonde a maioria das pessoas estavam saindo. Nunca agiria com tanta naturalidade com um estranho, mas estava abalada e não pensou muito, apenas seguiu o instinto humano de se sentir confortável com pessoas familiares. De todas as pessoas que estavam ali sem dúvida ele era a mais familiar: talvez pelo simples fato de aparentar a mesma idade, ou a mochila e a roupa de quem voltada da aula, assim como ela.

Os dois saltaram em frente à uma lanchonete. Eram duas da tarde e o trânsito estava completamente parado; o sol fritando o asfalto enquanto vozes e barulhos se misturavam naquele pequeno grande tumulto urbano. Era uma caminhonete que havia batido no ônibus, essa sim completamente destruída. Do outro lado da rua um carro cinza havia se chocado num poste, mas nada grave.


Ele estava assustado, mas indiferente. Observava a menina ligar para a mãe e começar a falar da batida como se fosse o onze de Setembro. Não soube porquê, mas gostou disso. Reparou que ela havia deixado cair um cartão enquanto pegava o celular do bolso de trás do jeans apertado que ele ainda não havia conseguido parar de olhar, então o pegou e ficou esperando a ligação acabar para poder devolver. Era um cartão do colégio: seu nome era Julia e estava no segundo ano. Gostou da foto.


Ela não conseguia falar direito, estava com medo e tentava explicar para a mãe o que havia acontecido. Depois desligou o telefone e caminhou apressada para o ponto quando sentiu uma mão cutucar seu ombro.


- Ei, você deixou cair.


- Ah, meu cartão! Muito obrigada! - ela realmente parecia feliz com a situação, guardou o cartão e ficou tímida quando reparou que era o mesmo garoto do ônibus.


- Que isso, tranquilo. Escuta, você tá bem mesmo? Porque eu te vi saindo do ônibus, e sei lá… - ele queria parecer legal, mas estava um pouco nervoso e não sabia bem o que falar, apenas seguia seu instinto masculino.


- Tô sim, pois é, que loucura né? Eu nunca tinha estado numa batida assim antes, tô meio assim… Mas tranquilo. Obrigada pelo cartão, sério!


Ela sorriu; ele se apaixonou instantaneamente. Foi como um tiro no coração, ou o primeiro mergulho de alguém, ou uma injeção de algo bem forte na veia ou qualquer outra coisa do gênero. Tentou pensar rápido em algo para falar, mas ela já havia dado as costas e a ordem natural era que se separassem - ele sabia disso.


Ficaram afastados no ponto, como dois desconhecidos que eram. Ela estava em pé e mexia no iPhone. Ele não sabia se ficava atrás para olhá-la um pouco mais antes que fosse embora, ou se ficava na frente para se manter em uma posição mais visível e talvez despertar algo nela, quem sabe. Quando decidiu ir para a frente, ela entrou num ônibus. O seu chegou logo depois.


Sentou-se à esquerda, no banco da janela, na traseira. O ônibus não estava muito cheio, então podia escolher. Não se tratava de uma escolha propriamente racional, mas intuitiva. Às vezes sentava no fundo, às vezes na frente, às vezes à direita, às vezes à esquerda. Não sabia explicar muito bem porque, tampouco precisava. Abriu a janela (ambas; a de cima também) e pôs-se a olhar bundas.

terça-feira, 2 de julho de 2013

Todo mundo sabe que isso não vai dar em nada - II





Todo mundo sabe que isso não vai dar em nada
II
Um pouco além da estrada












Sabe aquilo que dizem sobre a sua vida passar como um filme dentro da sua cabeça nos segundos antes de você morrer? Então, é mentira. Eu podia sentir o cano frio e metálico daquela 9mm encostado na minha cabeça - estava com as mãos amarradas nas costas, ajoelhado numa poça de lama, chorando como um bebê que foi retirado do colo da mamãe - e tudo que eu conseguia pensar era que provavelmente ninguém ligaria se eu morresse. Isso mesmo. No final das contas, tudo que me restou foi um pouco de carência e egoísmo; nada de relembrar os bons momentos, as pessoas que eu amei e essas coisas bonitas que aparecem nos filmes. Eu não tinha filhos, não via meu pai há quinze anos e minha mãe estava em um estágio avançado de Alzheimer, talvez não lembrasse nem do meu nome. Não tinha uma namorada sequer. Provavelmente postariam coisas maneiras no meu mural do facebook, deixariam de sair por um final-de-semana e um mês depois seria como: Caio? Que Caio? Quem é Caio mesmo?

- Então; últimas palavras? – o carrasco empurrou a minha cabeça para a frente com o cano do revolver e deu um chute nas minhas costas. Depois, gargalhou como um débil mental e disse:

- “Últimas palavras”, eu sempre quis dizer isso! Não vai falar nada não, bacana?

Eu estava caído de cara numa poça com a bunda virada pra cima, na posição em que Napoleão perdeu a guerra. Queria dizer que depois que morresse voltaria pra arrancar o seu pau enquanto ele estivesse dormindo, mas tudo que consegui foi soluçar e engolir um pouco de lama. Pude ouvir o som seco da arma sendo destravada e pensei na imagem da minha mãe sentada numa cadeira de hospital. Depois, tudo que me restava era apenas esperar o momento em que tudo acabaria e talvez eu encontrasse um velho barbudo no final de um túnel, ou de uma escadaria, ou algo assim.

domingo, 30 de junho de 2013

Todo mundo sabe que isso não vai dar em nada - I





Todo mundo sabe que isso não vai dar em nada
Porque tem que começar em algum lugar












Eu queria conseguir contar a minha vida toda num poema. Mas como não tenho essa capacidade, vou ter que começar de algum ponto da minha profunda e medíocre existência mesmo.

Era madrugada e o Marquinhos tava me esperando numa esquina mal iluminada por um poste torto. Cheguei com o meu Gol branco de 2000 todo fodido – eu tinha acabado de voltar de uma viagem no Pantanal que fodeu ele todo, enfim... Marquinhos era um cara engraçado. Imagina um judeu branquelo e ruivo, meio alto, forte, com uma tatuagem da Estrela de Davi num braço e o escudo do Fluminense no outro. Pois é, o Marquinhos era esse cara. Ele tava de bermuda, chinelo e com um mochilão preto nas costas quando eu encostei o carro.

- Tudo em cima?

- Tudo em cima, brother. Abre a o porta-malas aí.

Abri e ele jogou a mochila lá dentro. Em menos de uma hora estávamos ouvindo Rolling Stones numa estrada de barro, balançando pra cacete dentro do meu Gol velho.

- Vai mais devagar, cara! É por isso que o seu carro fica assim.

Encarei ele e pisei mais fundo no acelerador.

- Sério isso, cara? Porra, seu maluco, vai mais devagar!

- Marquinhos, para de reclamar e aperta um beck, por favor.

Ele foi na hora pro banco de trás, se ajoelhou pra conseguir mexer na mochila da mala, e depois de um tempo, sem que eu sequer percebesse, estava do meu lado com um camarão em uma mão e uma seda na outra.

- Caralho, Marquinhos, como você é viciado hein cara – dei uma risada e cuspi pela janela.

- Porra, brother, mas só tem um problema. Eu não vou conseguir apertar com essa porra balançando assim.

- Essa porra não, cara. Falando assim parece que tu tá falando do seu pau mole. Meu carro tem história, respeita.

Ele riu – Que história, cara? Não começa, Caio, não começa.

É verdade, eu ainda não falei nada sobre mim. Meu nome é Caio, Caio Solimões, tenho vinte e três anos e sou jornalista. Ou melhor, sou mais um desses babacas que acabou de se formar em Jornalismo e se acha praticamente o Cidadão Kane em pessoa só porque escreveu uma matéria que saiu num jornal de porte médio. Sei lá, eu acho difícil falar sobre mim mesmo. Como se definir? Ou você peca no excesso de humildade ou no excesso de pretensão; sempre tive dificuldade em encontrar um meio-termo. Então não sei se vou saber passar pra vocês exatamente o tipo de pessoa que sou, me falta imparcialidade. Veja bem, eu tenho um cabelo e uma barba maneiros, sou Sagitário, fumo Carlton e gosto de pistache. Quer dizer, eu gosto muito, muito de pistache. E não gosto mal quando falam mal do meu carro. Não gosto mesmo.

- Marquinhos, esse carro tem mais história que a sua vida inteira e você sabe disso. Eu já comi uma surfista da Califórnia ali no banco de trás – disse, enquanto saíamos da estrada de barro e entrávamos na rodovia.

- Que a minha vida? – ele enrolava o baseado – Que surfista da Califórnia, cara? Você quer realmente que eu acredite nessa história?

- A Melissa. Ela tinha o mamilo mais bonito do mundo, eu vou te mostrar o facebook.

- Você acha que eu caio nessa de facebook?

- Ô Marquinhos, você quer realmente discutir comigo sobre mulher? Você namora a mesma garota há quase quatro anos.

- Fazer o que? Ela é linda, cara, a Bruna é linda e você sabe disso.

- Quatro anos, cara, quatro anos. Você vai ver a sua segunda Copa do Mundo com ela, daqui a pouco vai até mudar o presidente, você tem noção do que é isso?

- Ela é linda, cara, ela é linda.

- Não mais que a Melissa.

Não fazia sentido discutir com ele sobre isso. Nunca chegaríamos num consenso, e na verdade eu sentia até certa inveja dele por ter conseguido se convencer de uma forma tão pura e ingênua de que uma garota vale mais que a sua liberdade enquanto cidadão masculino de poder foder uma universitária diferente a cada final de semana. O amor sem dúvida esconde algo de mágico ou ridículo, divino ou cínico. Nunca soube distinguir qual, talvez por isso nunca tenha conseguido começar nada sério com nenhuma garota nós últimos dez anos.

- Cara, e se a gente passar por alguma blitz?

Nós estávamos carregando cinco quilos de maconha no porta-malas em uma rodovia interestadual, sem dúvida já havíamos debatido exaustivamente sobre a possibilidade de blitz, não entendi porque o Marquinhos veio com essa paranoia de novo.

- Engole o baseado, fica calmo e não dá bandeira. Aquela parede falsa no porta-malas é muito convincente, se ele não perceber nada suspeito não vai acontecer nada. Só depende da gente. Fica calmo e esquece isso, ficar pensando só piora.

- Eu não vou acender.

- Tá bom, então não acende. É melhor mesmo, eu só falei aquilo pra você calar a boca, não achei que levaria a sério. Então guarda de volta lá atrás ou joga pela janela, alguém vai achar e ficar feliz.

- É, isso. Boa.

- O que seria de você sem mim, hein? Me dá um cigarro.

Ainda tocava Rolling Stones quando cruzamos a placa de “Bem-vindo” na nossa segunda parada: São José. E sinceramente, eu não estava nem um pouco confiante em relação a São José. Nunca tínhamos feito nada parecido com o que tínhamos que fazer por lá.

quarta-feira, 19 de junho de 2013

À Queima Roupa




Um tiro cego e um suspiro no meio da multidão; quem é que vai ouvir? Ninguém ouve, só corre. Seus lenços vermelhos encharcados de esperança e vinagre, uma loucura de cada um cantada por todos, uníssona. Trezentos, cem mil, um milhão, não importa. Às vezes basta um grito e ele ecoará por toda a História, às vezes uma onda pode soterrar uma civilização, às vezes basta um olhar e aquela paixão à queima roupa te atinge no fundo do peito. E nessas horas amigo, não tem pra onde correr, não tem vinagre, não tem nada. Começou há mais ou menos dois anos, ali na Cinelândia mesmo, em frente ao Oden, e quem podia imaginar? Naquela época era só mais um maconheiro vestindo camisa do Che, hoje em dia é o Brasil acordando e eu e você dormindo. Mas tá tranquilo, antes tarde do que muito tarde. Porque a vida é imprevisível mesmo, e às vezes a arte é apenas não deixar o momento escapar.


Amanhã, Candelária, 17h.

terça-feira, 18 de junho de 2013

Sobre o assunto daquele único papo que você vai ter com o cara que vende açaí depois que aquela menina sair da lanchonete (ou não)

- Abaixa.

- O que?

- Abaixa cara, sai da frente.

- Sai da frente do que, porra?

- Dá licença caralho, abaixa, sai daí cara.

- Tá bom.

Eu só queria ver uma bunda mesmo, e o pior é que quase perdi ela. Mas ainda pude ver seu adeus vagaroso naquela calçada de Ipanema. Era uma bunda feliz, expressiva, ela quase falava. Imaginava que talvez aquela bunda falasse coisas muito mais interessantes do que sua dona. Será que eu ainda veria aquela bunda de novo? Quem sabe? Mas difícil, Ipanema é o lugar das bundas raras. Uma vez eu vi uma bunda maravilhosa, daquelas que se esconde embaixo de um shortinho florido tão curto que deixa a dobra entre a bunda e a coxa à mostra. E que coxa, que bunda, com covinha em cima e tudo. Aquela era definitivamente uma bunda dez, o conjunto era sensacional. Eu falava no celular há uns dez metros quando ela dobrou a Maria Quitéria; era guiado por aquele instinto que só os verdadeiros apreciadores de bundas entendem. Enfim, virei a esquina e a bunda tinha simplesmente sumido. E não foi a primeira vez. Não sei o que Ipanema faz com as bundas, realmente não sei, se fosse em Laranjeiras com certeza eu a veria de novo, mas só porque era Ipanema essas coisas resolvem acontecer.

Era só isso que eu queria falar mesmo, essa história tinha um propósito mas passou outra bunda por aqui, melhor deixar pra lá...

quarta-feira, 12 de junho de 2013

Uma e trinta e dois




Um silêncio marginal quebrado pelo som de uma profunda tragada, como o voo rasante de um pássaro no oceano, pra longe daqui, pra Búzios talvez - onde é sempre verão - mas sobre isso eu já escrevi. E como sempre a brasa, o filtro, o fim. E outros dezenove. Dezenove cigarros, dezenove anos. Mais um é vinte e vinte é um maço. Ontem eu andei sozinho pela Mém de Sá, um viado deu em cima de mim. Morar na Lapa é assim (eu não quis rimar).

Não tenho muito sobre o que escrever, às vezes eu acho que é tudo enrolação, tô aqui me enrolando, enrolando você, sabe, não parece muito justo. Mas de algum jeito estranho me enrolar com palavras me desenrola um pouco os pensamentos, que às vezes parecem um fio de fone de ouvido que ficou na mochila por mais de uma semana, ou talvez até um mês. Uma hora você vai ter que lidar com isso, né.


Algum dia eu arranjo alguma coisa realmente interessante pra dizer. Até lá a minha única certeza é que o Vasco ainda é uma merda.

quinta-feira, 6 de junho de 2013

Uma certa dose de loucura (na mochila)





Tantos ventos que assopram pra lá e já nem dizem mais aonde ir. Leste, norte, sudoeste não importa. Talvez um pouco para a direita, afinal não há mais bússola, não há gps, não há mapa, talvez sequer haja caminho. Um pouco de cinismo, cara-de-pau e sem dúvida uma certa dose de loucura na mochila, junto com uma garrafinha d’água porque há de fazer sol, quem sabe. E voltar antes do amanhecer, porque se não fica clichê demais. Você não vai entender.

domingo, 2 de junho de 2013

Alice Through the Black-Dress - Capítulo 1



Talvez não seja mais assim tão fácil falar sobre o que aconteceu. Como o prazer de ouvir aquele barulho de uma latinha de coca-cola abrindo numa manhã de terça-feira, dar um gole e perceber que acabou de jogar três reais fora. Alguém quer o resto dessa coca? Porque eu não. A eterna busca pelo prazer que nunca chega de verdade, e só vamos perceber o quão inútil somos quando já é tarde demais; ou não... ou simplesmente assumimos desde cedo nossa condição fugaz e patética, temos o cinismo necessário pra tomar um porre no meio de uma guerra e acender um cigarro do maço do bolso de um cadáver qualquer.

Foi isso que eu disse praquela menina. Mas não funcionou, eu acho. Ela era burra demais.

Então encostei num carro, um pouco cansado demais pra pensar em fazer qualquer outra coisa além de eu mesmo acender um cigarro e esperar que a noite traga um acaso mais interessante do que meninas de all star vermelho e caras tocando Nirvana num violão arrebentado. Eu odeio hipsters, odeio essa juventude que acha que representa algo além de adolescentes mimados que se acham especiais porque tem DDA e experimentaram pó aos quinze. Mas no final das contas eu tinha que entrar na brincadeira. Fui até o banheiro do bar e tirei um ziplock da carteira; espalhei a carreira na pia seca e enrolei uma nota de cinco - que aliás era tudo que eu tinha.


Foi aí que as coisas começaram a ficar estranhas. Um coelho branco engomado de gravata-borboleta saiu da privada todo molhado, segurando um relógio de bolso. Antes que eu pudesse perguntar que porra era aquela, ele me perguntou se podia cheirar também.

- Tranquilo, cara. - respondi, com a maior naturalidade.

- Obrigado. Eu vou ser rápido, tô atrasado.

- Atrasado pra quê?

- Na verdade eu tinha que ter ido pro banheiro feminino, mas errei o toilete e vi que você tava aqui.

- Fazer o que lá? Deixam coelhos entrar no banheiro feminino?

- Eles quem? Ninguém me vê entrando pela privada. Tem uma menina que eu preciso encontrar lá. Mas acho que ela vai demorar, ela tá com dor de barriga. Nem é bom entrar lá essa hora, rs.

Eu pensei em rir mas não ri - Uma menina ou uma coelha?

- Uma menina mesmo, mas é minha amiga, eu não vou pegar ela.

- Coelhos pegam meninas?

- Não, cara, por isso que eu não vou pegar ela.

- Ela é bonita? Qual o nome dela? - perguntei, depois do primeiro teco.

- Alice. Ela é bonita sim, mas acho que você não consegue. - respondeu o coelho, com o focinho todo branco.

Aí sim eu ri - Por que você acha isso? Você é um coelho que sai da privada, quem você deve conseguir pegar?

- Eu como coelhas, ué. E eu meto mais rápido do que você jamais vai conseguir meter, pode ter certeza.

Aí sim eu ri, pra caralho. O coelho até que era sagaz.

- Ok então. Mas e essa Alice aí? Você vai me apresentar ou o que?

- Você quer conhecer a Alice?

- Quero, porra. E depois de olhar esse seu focinho sujo no espelho você vai perceber que tá me devendo uma.

O coelho não tinha argumentos contra aquilo, ele realmente estava me devendo uma - Você venceu. Me segue. - disse ele.

- Como assim? Me segue pra onde?

Antes que eu pudesse perceber, o coelho havia pulado de volta na privada. Hesitei por um momento. "Mas já tô conversando com um coelho falante cheirador, o que eu tenho a perder?" Em poucos segundos, estava sendo sugado pela descarga mais estranha que eu já vi na minha vida.

segunda-feira, 20 de maio de 2013

Confuso



Não deixe que a saudade te sussurre alguma coisa precipitada
Não deixe o medo te deixar contando centavos de um final de noite
Não seja a bebida que resta no fim da sua festa
Eu não to aqui pra ajudar, mas
Essa é uma ode a razão, sim
Deixe a loucura pintar seus quadros e contar histórias num chafariz de uma praça
Deixe a loucura passar, que passa
E voa, e até ressoa na ponta de uma caneta embriagada
Daquela carta que você nunca vai entregar e o "eu te amo" que nunca chegou até a sua laringe
Acontece.

Não deixe de deixar um guarda-chuva na sua mochila, você sabe
Pode ser que chova
Mas deixe molhar um pouco só pra te lembrar, você sabe
Proteção demais enferruja
E falta de movimento também.

Um movimento sem jeito ajeitando o cabelo
E um movimento do quadril pra me deixar tirar sua calcinha
Tão mais do mesmo
E mesmo assim é assim que gente nasce
Pois é.

Não deixe então de saber que tudo talvez seja mesmo
Mesmo feito pra gente nunca saber
Afinal como saber sobre um mar em constante movimento
E como saber do movimento além do constante
Como ter certeza sobre a próxima onda
E você não vai deixar de mergulhar, vai?
Sem saber simplesmente é
A vida.

E só mais uma coisa
Não deixe de lembrar desse meu poema bobo da próxima vez que ver uma criança com medo de mergulhar
Sem saber, simplesmente é
Sabendo talvez nunca seja
Ou será que foi tudo uma viagem de domingo?
Vai saber...

quarta-feira, 13 de março de 2013

L e B




A chuva caía fina lá fora e as embriagadas vozes se misturavam naquele harmônico caos. Entre goles e tragadas, discussões e papos manjados, numa mesa ao canto do bar duas pessoas tentavam se conhecer melhor. Para manter a discrição e o anonimato de ambos, vou chama-los apenas de L e B.

- Então, o que você faz para viver? – perguntou L, depois de dar um considerável gole de sua cerveja e bater com força o copo na mesa.

- Sou cínica – respondeu B, mordendo o lábio. Ele riu.

- Como assim você é cínica?

- Você não acha que é preciso um pouco de cinismo pra viver nesse mundo?

L riu novamente e pediu mais uma cerveja para o garçom.

- Olha, não foi isso que eu quis dizer. Tava me referindo ao seu trabalho.

B sorriu e o fitou por alguns segundos antes de responder.

- Sou cínica. – então pegou sua bolsa na cadeira ao lado, abriu, retirou um pequeno espelho e começou a retocar o forte batom vermelho. L encheu os copos novamente.

- Ok, você é do tipo misteriosa então.

- Não, sou cínica.

L começou a perder a paciência.

- Tá bom garota, qual é o seu jogo? – perguntou, em tom de deboche.

- Sou advogada.

Ele riu e terminou outro copo de cerveja.

- E não gosto que me chamem de garota – completou B.

L e B ficaram em silencio por algum tempo. A chuva havia parado e alguém quebrara uma garrafa sem querer. O garçom dizia algo para o rapaz que a quebrou enquanto três mulheres falavam mal de seus ex-namorados na mesa ao lado. L observava tudo. B o observava observar.

- Seus cílios são bonitos – disse ela.

- Meus cílios? – ele riu, novamente debochado – Você não vai perguntar o que eu faço?
Ela conferiu alguma coisa no celular antes de responder, seco:

- Não.

L se levantou.

- Ok, ok, você é que sabe my lady. Vou no banheiro, já volto.

Ao passar pela mesa ao lado da bancada, L sem querer tropeçou no pé de um careca, que levantou bruscamente e o empurrou. L já estava com o punho cerrado quando foi segurado pelo garçom. Ao mesmo tempo, um cara vestindo uma daquelas camisas pretas de Jiu Jitsu segurava o careca, que resmungou algo antes de chutar uma cadeira, xingar todo mundo e sair do bar. O garçom largou L, que ficou encarando e sendo encarado por todas as pessoas dali antes de finalmente entrar no banheiro.

B fumava um cigarro e sorria por dentro.

Naqueles dez segundos em que só se ouvia a urina batendo na parede do mictório, L refletia em como aquilo foi inesperado.

Ao voltar para a mesa, B apagava o cigarro e pedia a conta.

- Você já está pedindo a conta?

- Sim.

L apoiou o cotovelo na mesa e esticou o pescoço para encará-la.

- Olha só, essa noite já está estranha demais. Por que você veio até aqui afinal? Por que não quer saber nada sobre mim?

- Porque você é desinteressante, prefiro pular essa parte.

- Parte, que parte, do que você tá falando? Você nem me conhece. Não quer saber nem o que eu faço?

- Você é idiota? Eu estou falando que não precisamos nem conversar. Eu vou pra cama com você.

L sorriu e relaxou na cadeira. B abriu a bolsa para pagar a sua parte da conta.

L e B nunca chegaram a saber nada um do outro além do nome falso do site de relacionamentos. Foram para a cama aquela noite e combinaram de se encontrar na próxima quinta-feira, desde então não pararam de se ver nunca por mais de uma semana. L e B eram casados e tinham filhos. Depois de três anos, B se separou. L nunca se separou, mas sua mulher o deixou quinze anos depois. O tempo não importava, eles nunca sabiam de nada mesmo.

E vinte e três anos depois daquela noite chuvosa no bar, L amanheceu morto ao lado de B numa cama de motel.

Sem sequer saber seu nome.

B deu um beijo em sua testa e acendeu um cigarro.

B chorava por dentro.

domingo, 10 de março de 2013

Tem fogo aí? - Capítulo III

Índice:
Capítulo I
Capítulo II




Capítulo III




A verdade é que ninguém consegue viver sem mentiras. Se resolvêssemos desmascarar a realidade, o que sobraria seria tão sujo e oco que não haveria sequer motivo para seguir em frente. Minha vida social, futebol, amor, trabalho, bebida, televisão... nada disso chega perto daquilo que considero a pura expressão do existir. Mas a gente tem que se rodear desse tipo de coisa, se não perde o rumo, não sabe aonde ir. A maioria das pessoas não foi feita para lidar com tanta liberdade. Retire todas as mentiras da vida de alguém se quiser vê-lo perder a cabeça, chegar ao fundo do poço.

Eram vinte para as onze da manhã e eu estava praticamente dormindo no banco de espera do dentista, ouvindo Foo Fighters no iPod, completamente chapado.

É, eu sei. Dentista. Minha vida de solteiro, minha odisseia moderna começou num banco de dentista. Mas vamos lá, gente, todo mundo tem cárie. E eu definitivamente pegaria a minha dentista.

Enfim, depois de vinte minutos já estava quase babando quando senti uma mão cutucar meu ombro e falar alguma coisa. Acordei assustado, com aquela sensação de “o que estou fazendo aqui mesmo?” e retirei o fone de ouvido.

- Que? – eu não reparei, mas falei isso bem alto.

- Artur Moraes. É você? – era um senhor, parecia meu porteiro até. Levantei a cabeça e constatei que estava sendo encarado por cinco desconhecidos: ele, uma senhora, uma criança emburrada, um cara de boné e a Camila. A Camila era só meio desconhecida, porque na verdade apesar de saber seu nome, não sabia mais nada. Ela era a recepcionista.

- Ah, desculpa. Foi mal Camila, eu não dormi muito bem. Posso entrar já? – levantei e coloquei a mochila nas costas, mas todos ainda me encaravam, o que sem dúvida despertou uma certa paranoia momentânea. “Será que eles sabem que eu estou chapado? Merda, a Dra. Ana Paula com certeza vai reparar. Por que não botei colírio antes de sair de casa? Porque a Camila está demorando tanto pra responder? Será que eu falei muito baixo? Merda. Como eu vou sair dessa situação? Por que está tocando James Blunt no meu iPod? Eu não tenho isso, odeio esse cara. Merda, merda. Ok, você já esteve em piores. Foco.”

- Camila?

- Ah, sim. Pode entrar senhor Artur, só estava conferindo seus dados. A Dra. Ana Paula está aguardando o senhor.

Ufa.

Naquele momento percebi que também pegaria a recepcionista. Quantos anos ela devia ter? Vinte? Automaticamente lembrei que não flertava fazia mais de um ano, mas pela minha memória não era tão complicado assim. Decidi começar com ela mesmo.

- Obrigado, Camila. – tentei manter contato visual e tom firme na voz enquanto falei isso. Até fui bem nos primeiros segundos, creio. Mas então pisquei. Lembrete mental: nunca mais piscar. Eu não sei piscar, por quê porras fui piscar naquela hora? É... aquilo foi estranho.

Depois que entrei no consultório, tudo correu de forma normal. A dentista havia engordado bastante desde a última vez e eu estava com a autoestima abalada pela piscada malsucedida, então apenas abri a boca e a deixei fazer o serviço, embora no fundo o que eu queria era precisamente o contrário. Nunca gostei daquele ambiente, não consigo me sentir confortável com alguém enfiando coisas na minha boca. Cortou até o barato.

Saí do dentista meio puto: estava sóbrio e não tinha conseguido nem arrancar um sorriso da Camila na saída com minha piada de duplo sentido. Quer dizer, ela era uma recepcionista. É pra isso que recepcionistas servem, não?

Na maioria das vezes eu gostaria de caminhar pela rua. Sabe; andar, sentir a vida, observar a beleza do cotidiano alheio, das pessoas ordinárias, dos muitos Josés, Joãos, Marias, Carolinas, Lucas... qual o plural de Lucas? Deixa pra lá.

Normalmente eu iria andando pra casa, mas não debaixo daquele Sol. Fui até o sinal para atravessar e pegar o ônibus. Tinha emprestado meu carro pro Marquinhos ir até Visconde de Mauá comprar maconha. Negócios são negócios, sabe como é. Ele era meio doido, mas confiável. Talvez o único confiável: Marquinhos, Marcos Vianna. Estudamos juntos nos dois últimos anos do supletivo. Quer dizer, teoricamente frequentávamos a mesma escola, a mesma sala, mas a vida é tão maluca que não tenho nenhuma lembrança de nós dois no colégio. Matávamos mais da metade das aulas pra ir à praia. Marquinhos era o único que, assim como eu, não fazia idéia do que queria da vida mas tinha certeza que não envolvia ir à escola. Nós não tínhamos medo de assumir essa postura vagabunda perante todos, éramos dois moleques soltos pela vida, mas quando a realidade batia à nossa porta sabíamos lidar com ela. Eu mais, Marquinhos se agarrava em subterfúgios, no que estivesse a seu alcance. Bebida, drogas, mulheres. Sempre foi o mais mulherengo, o mais inconsequente, o mais viciado. Às vezes eu acho que seria como ele se tivesse uma família com tanta grana, mas ao mesmo tempo agradeço por ter nascido meio fodido. Não sei a que ponto aquilo subiria a minha cabeça, talvez até o pobre coitado do Marquinhos tenha passado dos limites há um tempo e só não tínhamos parado para pensar nisso ainda. Ele estava sem carro por causa de uma batida em Búzios, aliás. Não sei nem como conseguiu outra licença, muito menos como ele ainda era a pessoa que eu mais confiava nessa vida. Marquinhos era o maluco com o maior coração que eu já conheci, só não tinha coragem de mostrar isso pra todo mundo. E por algum motivo estranho, eu entendia aquele vagabundo. Hoje em dia estava mais tranquilo, “quase careta, só na cerva e na erva”, como gostava de dizer.

Que se foda também, se quisesse se drogar eu não me importava, só não embarcava nessas ondas mais pesadas dele. Alguém tem que segurar a barra, afinal. Enfim, voltando a realidade... o sinal havia finalmente fechado. É óbvio que algum espertinho tinha que avançar antes que os pedestres começassem a atravessar. Dei dois passos e senti uma mão cutucando meu ombro novamente.

“Puta merda, quem será agora?”

- Artur, desculpa, você esqueceu isso! – era Camila, e estava ofegante. Segurava a minha carteira. Tomei um susto.

- Caralho, pode crer! Nossa Camila, valeu mesmo, não sei nem como te agradecer! A carteira, caramba...

Ela sorriu: - De nada. Olha, eu tenho que voltar lá... mas... hmm.. tem um papelzinho com o meu número aí. A gente podia marcar de sair um dia desses, sei lá. Então, tenho que voltar lá, a gente se fala. Tchau tchau!

E saiu correndo, com a mesma rapidez com que chegou. Vendo por aquele ângulo, era um rabo bem respeitável, digno de uma morena japa como a Camila.

Existem momentos na vida em que você não entende muito bem o que aconteceu, mas também não reclama.

Parecia, afinal, que eu não estava tão enferrujado assim.

E recepcionistas ainda sabiam fazer bem o seu trabalho, graças a deus.

Tem fogo aí? - Capítulo II


Índice:
Capítulo I



  
Capítulo II




“Foi só um beijo”
“Foi só um beijo”
...

Já estava cansado daquela frase, mensagens na caixa postal, facebook, amigas dela me enchendo o saco, até mesmo alguns amigos meus. Nunca achei que ela fosse A garota da minha vida, talvez bem no início. É fato que rolava uma química, mas não importava. No fundo mesmo eu nem acreditava nessa utopia de mulher perfeita, alma gêmea e etc.

Mas a Mari até que merece um capítulo nessa história. Nos conhecemos há dois anos: Mariana Magalhães, tinha dezoito na época. Linda, um metro e sessenta, pele branca, magra. Olhos cor de mel, covinhas na bochecha, cabelos castanhos mas ainda não Chanel. Caloura de cinema da UFF. No ponto.

Eu era um dos muitos Artur Moraes da vida; vinte e dois anos, altura mediana, magro de ruim, cabelos quase no ombro, olhos quase sempre vermelhos. Quarto período de Letras na UFRJ.

Quando nos conhecemos havia acabado de começar a chover bastante, acho que era Março porque ela cantava “Águas de Março” em uma rodinha de vagabundos na Farani, embaixo de uma tenda; tinha violão, flauta transversa e tudo. Ou então foi nas férias, aquela chuva tinha muita cara de chuva de verão. Não lembro ao certo.

Passei do seu lado, encharcado, baseado na mão.

- Menino, vem cá, sai da chuva, vai melhor o beck! – era uma voz carioca arrastada, rouca do jeito certo, voz de mulher madura.

- Ih, fechou. Não para de cantar não, sua voz é linda. Vou rodar esse baseado aqui! – eu já estava bem alto, tinha acabado de sair do aniversário de um camarada num bar ali perto, só fui até a praça fumar mesmo. Não esperava que a chuva cairia bem naquela hora, muito menos que aquela chuva seria uma das melhores coisas que já aconteceu na minha vida. Começamos a conversar bastante, o que era engraçado porque ela era a única menina da roda e acabava se tornando o centro das atenções de toda aquela testosterona. E na verdade eu só comecei a me sentir atraído depois de uns quinze minutos, mais precisamente quando a vi sorrir e reparei nas covinhas da bochecha pela primeira vez. Foi aí que o sentido aranha apitou.

No final, quando todos se dispersaram, apenas eu e ela íamos andando para a mesma rua, a Pinheiro Machado.

Tem gente que acredita em destino. Eu chamo de cagada cósmica mesmo.

Mas não foi naquela noite que a gente se beijou, acho que eu estava chapado demais. Ainda nos encontramos algumas vezes na praia e nosso primeiro beijo só foi acontecer alguns meses depois, em uma festa, ao som de Novos Baianos. É, eu sei, bem clichê, como qualquer outra ficada. Fomos para a cama depois da quarta vez, na minha casa. Depois casa dela. Minha casa de novo. Banheiro do Campus, minha casa. Casa dela, depósito do prédio do Marquinhos, banheiro do Cinemark, minha casa... e depois não sabem porque eu amo calouras.

Depois o de sempre: mudança de status no Facebook, almoço no Outback, engordar, gastar metade do salário em conta de celular, amigos reclamando, raspar o saco toda semana...

Durante um ano e três meses rolou tudo aquilo. Eu realmente amei a Mari, mas sempre preparado para o momento em que acabaria. Pra ser sincero, ele até demorou a chegar. Só não precisava ser daquele jeito, um beijo no meio da rua com o mané do Diogo. Ah, mas deixa pra lá... é como Caetano já dizia:

Cada um sabe a dor e a delícia de ser o que é.
E eu agora era um homem livre.

domingo, 3 de março de 2013

Tem fogo aí? - Capítulo I



Tem fogo aí?
Capítulo I



Sabe o que eu acho engraçado? Críticos. Nunca gostei deles, reclamando de tudo mas no fundo sempre acomodados e complacentes , sem tomar a menor atitude para mudar o que estão criticando. Se sabem tanto, por que não fazem melhor?

Era uma terça-feira como outra qualquer, dia vinte e dois de Fevereiro de dois mil e treze, sete e pouquinho da noite. Eu voltava da casa de um diretor que havia acabado de ler meu texto, um romance brega clichê que se passava no Leblon. Que se foda, talvez fosse adaptado para o cinema e eu realmente precisava daquela grana. Era só chamar o Marcelo Adnet pra fazer alguma ponta que ia dar certo. Já fumei uns com o Adnet na praia, acho que ele iria topar. 

Parei para comer numa lanchonete em Botafogo e continuei dirigindo meu Gol 2005 branco em direção a Laranjeiras, lar doce lar. Antes disso, na Voluntários, ainda teria que presenciar algo que talvez tenha sido o marco radical da minha mudança de atitude e modo de encarar a vida. Bem ali, dobrando a esquina, naquele bar de nome italiano em que eu costumava tomar umas cervejas com batata frita enquanto via UFC (que aliás nem gosto tanto). Lá estava ela. Linda, seus olhos cor de mel, suas covinhas na bochecha, o cabelo Chanel. E um cara. Um mané barbudo alternativo com óculos de armação grossa. A Mari e um cara. Minha namorada. Beijando outro cara.

A vida é irônica: ele era crítico de cinema.

Parei o carro na hora; que se foda buzinas, que se foda hora do rush e o proletariado voltando cinza pra casa, que se foda tudo. Encostei o carro e caminhei vagarosamente em direção aos dois, por um lado com o sangue subindo a cabeça, por outro frio e com desprezo seco pela situação. Assim que me viu, seu rosto se transfigurou em espanto e ela começou a se explicar.

- Artur, ele que... olha... foi só... – Mariana se atropelava nas palavras, mas sinceramente o que quer que ela tenha dito naquele momento eu nunca iria ouvir. Apenas sorri. Não um sorriso feliz, não um sorriso amarelo e sim um daqueles sorrisos que vilões de filmes fazem antes de anunciarem que vão destruir a humanidade. Nem sei como tive aquela porra de reação, achei que iria simplesmente explodir.

- Cara, escuta, então... – o babaca hipster começou a falar algo, mas eu também não conseguia ouvir uma palavra que saía de sua boca. Puxei um cigarro do bolso.

- Foda-se, cara. Tem fogo aí? – O barbudo ficou sem reação, gaguejou um pouco mas no fim das contas pegou um isqueiro. Ascendi calmamente e traguei fundo, enquanto isso Mari me fitava com olhar de desespero e ele esperava meu próximo movimento, com cara de bunda. Devolvi o isqueiro e caminhei em direção ao carro.

- Artur, espera! Isso não foi nada, vamos conversar! – ela me puxou pelo braço, mas eu não conseguia nem encará-la. 

- Mari; ele? É sério? Sério mesmo? Sai daqui... – abri a porta do Gol velho e joguei o cigarro no meio-fio – A propósito... Diogo! – pude ver um sorriso de satisfação no rosto do filho-da-puta enquanto ele se virava – Você é um pela saco, “O Som ao Redor” é uma merda – E arranquei o carro, completamente livre, sem nada a perder. Pela primeira vez em muito tempo.

quarta-feira, 30 de janeiro de 2013

Uma história



A vida não parecia fazer sentido em tantos momentos como aquele, embora ainda estivesse um tanto quanto vazia. Acordou sentindo que algo deveria ser feito, só não sabia exatamente o quê. Levantou da cama e olhou o relógio: oito e onze da manhã. Cedo demais pra quem havia ido dormir às quatro de porre na madrugada anterior, mas pelo visto o lance do engov mais três copos d’água antes de dormir realmente funcionava. Calçou o chinelo e ligou o computador, talvez o facebook o ajudasse a descobrir o que haveria pra ser feito num dia como aquele.

E nunca mais saiu de lá.
Essa é a história de como uma história é arruinada pelo facebook.

Abraços.